Os clichês

 

            Em qualquer manual de redação, desde aqueles mais diletantes - que oferecem dicas rápidas e milagrosas para a construção de um texto perfeito e mágico - até os livros sérios sobre o assunto, há um conselho em comum: Na hora de escrever, evite os clichês. Clichês são frases prontas que são de conhecimento popular e, por isso, são repetidas a toda hora. Portanto, usar clichês é praticamente plagiar o senso-comum, e cópia não é característica de um texto que se pretende criativo e autônomo. O texto abaixo trata dos clichês com muito mais competência, por isso, coloco-o aqui:

 

O Lugar-comum

 

    Devagar se vai ao longe, porque a pressa é inimiga da perfeição e a esperança é a última que morre. É fato que o brasileiro é preguiçoso por natureza, mas graças a Deus aqui não há preconceito racial – somos um povo que tem horror à violência; nossa índole pacífica é proverbial no mundo inteiro. Se o homem tomasse consciência do valor da paz, não haveria mais guerras no mundo – bastava que cada um parasse para pensar na beleza do sorriso de uma criança e descobrisse que mais vale um pássaro na mão do que dois voando. A paciência é a mãe das virtudes, mas só com determinação e coragem haveremos de resolver nossos problemas. O que estraga o Brasil são os políticos; sem eles estaríamos bem melhor, cada um fazendo a sua parte. Hoje em dia, felizmente, as mulheres estão entrando no mercado de trabalho porque, segundo pesquisadores americanos, elas são muito mais caprichosas que os homens. Já os homens, conforme uma conclusão do conceituado Instituto de Psicologia da Filadélfia, são muito mais desconfiados e estão sempre querendo mais. As pesquisas eleitorais nunca acertam porque são todas compradas. Mas a verdade é que o amor, quando autêntico, resolve tudo. O que não se pode esquecer jamais é que a esperança existe – e é a última que morre!

       O conjunto de frases acima – que você deve ter passado os olhos com a sensação de já tê-lo lido antes algumas centenas de vezes – é uma amostragem da mais terrível praga dos textos argumentativos – o lugar-comum, também conhecido como chavão ou clichê.

       O mal do lugar comum não está propriamente no fato de ser uma expressão muitas vezes usada. O que merece reflexão e cuidado é o lugar-comum que aparece justamente para substituir a reflexão. No texto escrito, ele normalmente cumpre a função de, ao resolver tudo numa frase feita de sabedoria universal e indiscutível, eliminar qualquer necessidade argumentativa. Ora, onde a fumaça a fogo! O lugar-comum, pela sua natureza indiscutível, acomoda todo o processo de conhecimento numa sabedoria que não nos pertence; ela já está pronta, passa de geração a geração, de professor a aluno, de vizinho a vizinho, de texto a texto.

       O lugar-comum está presente tanto nas piadas que reforçam preconceitos (contra raça, religião, etnia, orientação sexual), quanto nas afirmações absolutas, completas e “sensatas” sobre os fatos que nos rodeiam. O lugar-comum não contesta, não transforma e não cria nada – apenas repete.

      Saber reconhecer o lugar-comum é a primeira tarefa de quem quer se livrar deles. Não é tão fácil assim, porque o chavão permeia todos os pontos de vista. Não é só de provérbios inofensivos que ele vive; muitas vezes, a argumentação inteira se sustenta sobre conceitos tão genéricos e vagos que se reduzem a nada. A face mais evidente deste tipo de generalidade vazia é o uso de entidades como “o Homem”, “o Mundo”, “os Políticos”, “o Jovem...”, como se as sociedades fossem todas constituídas de blocos absolutamente homogêneos. 

(Fonte: Faraco & Tezza, Prática de Textos, ed. Vozes)