Ao Professor de Redação

 

            Qual é a relação do professor com a matéria escrita? O professor de português e de redação das escolas e dos cursos preparatórios ao vestibular têm o hábito da leitura, eles têm o hábito de escrever?

            Quem muito lê sabe que um texto tem bem menos regras e proibições do que dizem os manuais. Quem muito lê sabe que não existem questões certas ou erradas na hora de se compor um texto, mas existem questões que funcionam e que não funcionam. Um professor que tem familiaridade com a palavra escrita, logo percebe que os manuais de redação e suas fórmulas nada tem a ver com a maneira como eles próprios aprenderam a escrever. Existe mais de uma maneira de se fazer uma boa introdução, existem inúmeras maneiras de se escrever um texto dissertativo. Assim, não é fazendo os alunos decorarem uma série fórmulas o que os fará escrever bem, mas é apresentando ao aluno uma série de textos, uma série de introduções diferentes umas das outras, uma série de parágrafos argumentativos e de conclusões o que os fará entender o que funciona e o que não funciona na hora de escrever.

            Claudia Stumpf Told, Professora da Universidade de Passo Fundo e corretora da equipe de redações, faz um alerta importante:

 

Temos observado que normalmente os professores têm uma preocupação muito grande com o ensino da redação. Porém, verificamos que, na grande maioria das vezes, essa preocupação se concentra no aspecto formal da produção do texto, ou seja, evidenciam-se elementos que priorizam as obrigações e as proibições no ato de escrever, por exemplo: não usar gírias, não usar provérbios populares, evitar lugares-comuns, não isso, não aquilo. Isso resulta, para quem escreve, num trabalho de língua que mascara um verdadeiro agir com e sobre a linguagem, não produzindo efeitos de sentido. (Toldo, 2003, p. 111)        

   

           E cita algo ainda mais imprescindível que é resultado desse ensino de redação que se preocupa com formas ou fôrmas:

 

Estudos já mostraram que alguns textos de vestibular têm a aparência de bons, pois trazem características como uma letra de fácil leitura, três ou quatro parágrafos aparentemente bem distribuídos, um vocabulário adequado, na medida em que é variado e correto, nexos nas orações, um número razoável de linhas, título, etc. Mas, ao analisá-los mais detalhadamente, percebe-se que algo não está bem, pois aquele conjunto de ditos traz uma organização interna precária em função de não ter sido elaborada de forma clara e consistente no decorrer do texto; revela que o trabalho de provocar um posicionamento é fraco, pois não convence nem conduz o outro a um raciocínio que concorra a uma tomada de posição; evidencia uma falta de relação entre as ideias colocadas, mesmo com a presença de nexos nas orações; denuncia uma não dependência entre argumento e conclusão, provocando uma nula defesa de tese. (Toldo, 2003, p. 112) 

 

II

 

O grande mantra da maioria das aulas de redação é:

 

            Introdução - é onde o aluno se posiciona e expõe as principais ideias do texto.

            Desenvolvimento - é onde o aluno discute essas ideias.

            Conclusão - é onde se resume as ideias do texto, agora, em caráter conclusivo.

           

             Analisemos rapidamente essas definições do que seriam as partes de um texto dissertativo.

            Na introdução, o aluno se posiciona e expõe as ideias do texto. Há, no entanto, outras questões por trás disso que não são levadas em conta. Como o aluno tem ideias? Como o aluno pensará e fará relações entre as ideias que tem? Essas ideias são boas o suficiente? Tem autonomia e alguma criatividade? Não será também papel de um professor de redação pensar sobre isso?  

            Quando ao desenvolvimento, define-se como o local onde o aluno discute as ideias. Mas outras questões vem a lume: O aluno sabe que discutir suas ideias é argumentar? O aluno sabe como argumentar? Ele sabe o que é um argumento válido e o que não é um argumento válido? O professor ensina ao aluno se há lógica em suas frases ou apenas faz uma correção gramatical do texto?

            Quanto à conclusão, temos o mesmo problema. O aluno é ensinado a encerrar o texto usando os nexos conclusivos, mas saberá o aluno, de fato, concluir uma ideia? Pois sabe-se que não é um mero logo ou concluindo o que será responsável pela conclusão, e sim as ideias vinculadas a esses nexos.

             Também é importante mostrar aos alunos como é a estrutura de uma argumento e fazê-los entender que deve haver uma relação lógica entre as premissas e a ideia que está sendo exposta. A questão da estrutura do argumento é pouco discutida em sala de aula. E, muitas vezes, sequer é discutida. 

          Aos professores que acreditam que falar de argumentação em aula seria muito complexo e que os alunos não entenderiam, afirmo que o atual hábito de subestimarmos nossos alunos e de “facilitarmos” suas vidas sendo menos exigentes não é melhor caminho. A atual pedagogia da condescendência pode ser substituída por uma pedagogia do rigor. Os alunos a que expus as ideias de argumento, premissa e lógica entre ideias e premissas, hoje usam tranquilamente essa jargão quando analisam textos em aula. Muito embora seja mais difícil aplicar a teoria em suas redações, eles não tiveram a menos dificuldade em entender como funciona a construção de um argumento.  

            Penso que o papel de um professor de qualquer disciplina é fazer com que seus alunos saiam da esfera do pensamento ou do conhecimento vulgar - aquele conhecimento que não é verificado, que analisa casos particulares para chegar a conclusões gerais - e atingirem um nível de reflexão e questionamento próximos da esfera do científico e do filosófico.

            A aula de redação, tanto em escolas quanto em pré-vestibulares, é sim um lugar em que temas como filosofia, história, biologia, sociologia, política, artes, etc., devem ser tratados. É essa interdisciplinaridade que vai ajudar os alunos a construírem argumentos mais consistentes e a ter ideias próprias.