Redação e Maniqueísmo, por Gustavo Bernardo
Por que falar desse assunto ligado à redação? Porque entendo o maniqueísmo como um forte entrava à formação das opiniões e dos argumentos. Como um forte entrave à produção das redações. Portanto, cabe enfrentá-lo – nomeando-o.
O maniqueísmo, com este nome, nos veio da Pérsia. Mani era o deus persa, formado metade do corpo pelo bem, metade pelo mal. A adoração a este deus considerava o mundo como um campo de batalha de duas grandes hostes – a do bem, chefiada por Ahura Mazda, e a do mal, dirigida por Ahriman. Nossa Satã é uma derivação da palavra e da ideia de “Ahriman”.
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As redações de base maniqueísta se caracterizam pela repetição. Repetição de lugares-comuns e de preconceitos, muitas das vezes aleatória e desconexamente. Não surgem como produto da observação dos fatos, da necessidade de autoafirmação de quem escreve, nem do desejo de acrescentar algo ao leitor. Surgem não como produto de um trabalho, e sim como reflexo de dependência verbal.
Aquele que repete de fato não se expressa. Alguém ou algo é que se expressa através de sua boca ou caneta, utilizando-o como “cavalo” passivo, como “montaria de ideias externas.
A redação maniqueísta estrutura o raciocínio em uma oposição dualista, trabalha com oposições simplistas entre “bem” e “mal”, entre “antigo” e “moderno”, entre “proibido” e “permitido”. Como se, de fato, tudo fosse assim tão simples, como se tudo pudesse ser dividido por dois. O sujeito ou é bom ou mal. Ponto final. Não se enfrenta a complexidade de que uma pessoa possa carregar dentro de si o bem e o mal. E, muito menos, enfrenta-se a complexidade de que esses conceitos possam ser relativos.
O pensamento maniqueísta, porque trabalha apenas com duas alternativas, fecha o sentido das palavras, oculta o caráter dinâmico dos termos. Pensar nos problemas como impossíveis de serem resolvidos; pensar nas opiniões como imutáveis; pensar assim representa pensar nas coisas como “coisas em si”, não as vendo como “em relação a”.
Se tomamos um problema “em si”, agimos como se ele fosse um objeto concreto, estático, que estará resolvido quando o agarrarmos. Como não podemos agarrar objetivamente os problemas, eles se tornam “impossíveis” de resolver. Se tomamos, ao contrário, um problema pelo alcance de suas relações, agimos então como se ele fosse, de fato, problema – um acontecimento dinâmico e inagarrável, porém sempre possível de ser compreendido. O raciocínio maniqueísta bate com o rosto na impossibilidade. O raciocínio dinâmico, que não aceita apenas duas alternativas excludentes, coloca-se frente a possibilidades, a descobertas e não sofre das limitações de um raciocínio que vê o mundo dividido por dois.
(Texto adaptado de BERNARDO, Gustavo. Redação Inquieta.)